Evangelástico é um neologismo que serve para identificar o “evangelista” do exagero. Ele não se preocupa com exatidão, embora busque reconhecimento científico; se utiliza de ferramentas e métodos científicos, mas só lhe interessa a doutrina da hipérbole e seu fruto mais pujante: os dados esticados.
Enquanto o evangelista de verdade (aquele que serve ao Evangelho de Jesus Cristo) tem a missão de proclamar tão somente a verdade, nada menos que isso, o evangelástico só precisa da verdade enquanto esta lhe beneficia. Todavia, não hesita em criar a sua própria “verdade”, forjando seus próprios dados e estabelecendo sua própria metodologia, para poder justificar suas pretensões.
Sendo uma mistura da sofisticação de um “outro evangelho” com a simplicidade do elástico, seu maior trunfo é fazer os incautos acreditarem no que tencionam estabelecer como verdade, mesmo que para isso se utilizem de um verniz científico de mentirinha.
Deixando de lado as definições, passemos às práticas. Um comício, um show musical, uma cruzada evangelística, entre outros, são eventos que precisam sempre ter o respaldo da assistência de grandes públicos para justificar não somente seus custos, mas também, e principalmente, sua continuidade.
A tentação de inflar os números é tremenda. São poucos os que resistem. É preciso publicar “evangelasticamente” os números, pois o que fica para a história é o que se registra. Mas, quem participou do evento e se depara depois com a publicação, sequer consegue identificar que se trata da mesma coisa.
Um desfile, uma passeata, de caráter religioso ou não, mas que precisa de patrocínio para sobreviver, tem de dar uma satisfação aos que pagam a conta. E precisa também massagear o ego dos que participam. Geralmente, o maior ganho para quem participa é poder se achar parte de algo “grande”, pois o seu psiquismo individual é ajudado na perspectiva de grandiosidade do psiquismo coletivo.
Vez por outra, alguns desses movimentos são pegos na mentira. Quando alguém “de fora” fala, é tido por reacionário, intransigente, metido. Mas se alguém “de dentro”, personagem do próprio grupo, acaba tendo um arroubo de integridade e se permite desafiar as metodologias de contagem, então a turma do “deixa disso” exerce o seu “ministério” de conciliação, para que todos os números continuem evangelasticamente garantidos.
Há casos escabrosos. Uma cidade com cerca de um milhão e meio de habitantes, dificilmente conseguirá colocar mais de dois milhões de pessoas nas ruas. Uma cidade com menos de quarenta mil quartos de hotéis, dificilmente conseguirá receber mais de seiscentos mil visitantes. Mas se tudo for evangelasticamente preparado para dar sustentação econômico-financeira ou sócio-religiosa, ou os dois, fica mais fácil.
Há técnicas de mensuração populacional para eventos estáticos (shows, comícios) e para eventos móveis (passeatas, marchas). E é sempre espantosamente embaraçoso comparar o que dizem as autoridades públicas que procederam a mensuração com o que os organizadores dos eventos alardeiam na mídia em geral.
Há outros casos igualmente indecentes. A técnica de medir popularidade pelo instrumento “científico” da pesquisa de opinião, por exemplo. Um líder é dado como extremamente popular, infla-se o número de sua popularidade para estratosféricos 84%, quando os outros 16% são tidos como andando “na contramão” da história.
Essas “pesquisas” de opinião são consideradas instrumentos científicos ou evangelásticos? Ora, ser justo, inflar ou minguar dados não depende só da seriedade ou malandragem de quem administra a pesquisa, mas principalmente do controle de todas as variáveis manipuláveis (e na pesquisa de opinião são muitas).
Eu posso tornar-me o pastor mais popular na história das Assembleias de Deus, bastando para isso manipular os dados de acordo com os meus interesses. Ou alguém pode me tornar o pior pastor de todos os tempos, mas pelo propósito inverso.
Desse modo, por que hesitariam os aliados de um “grande” líder? Basta aparelhar a máquina do estado, manipular os meios de comunicação, subjugar os agentes econômicos, e tudo concorrerá para justificar evangelasticamente qualquer numerologia de popularidade.
Mas basta comparar. Tome um filme biográfico sobre qualquer líder que se achar “predestinado” com a hiperbolização da sua deificação, antecipada ou póstuma, compare sua audiência e popularidade, para saber se pelo menos na decência científica da aritmética os números batem.
Isso vale também para comícios, paradas, shows, passeatas, marchas, círios, cultos, pesquisas eleitorais, enfim, para todo o propósito de não sermos enganados pela falácia dos evangelásticos de plantão.
Samuel Câmara - Pastor da Assembléia de Deus Belém / PA - Igreja Mãe
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