segunda-feira, 20 de julho de 2009

Vergonha de quê?

Em discurso no Senado Federal, em 17 de dezembro de 1914, Rui Barbosa declarou: "De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto".

Rui Barbosa fez este desabafo ao defender o requerimento sobre o "Caso Satélite", que foi uma chacina de presos. A impunidade dos assassinos confessos, depois de quase quatro anos decorridos do crime, foi o que o motivou a fazer esse inflamado discurso.

O que tinha de mera observação do seu cotidiano, o discurso tinha também de profético. Pois ainda hoje, decorrido quase um século, a impunidade no Brasil perdura. Isso não é novidade, é apenas o reflexo da continuidade do triunfo das nulidades, da prosperidade da desonra, do crescimento da injustiça e do agigantamento do poder nas mãos dos maus.

Essa total inversão de valores não seria, hoje, o princípio que subjaz nos abusados casos de corrupção no Congresso Nacional? Ora, não estaria isso também entranhado em outros setores da vida nacional?

Quando homens públicos procedem na contramão da honra, agem como quem acredita que não é o cachorro que abana o rabo, mas o rabo abana o cachorro. Felizmente a sociedade tem instrumentos para reciclar-se e fazer incisões eleitoralmente cirúrgicas para extirpar esses "apêndices", antes que supurem de vez.

Mas esse não é o problema maior. O maior problema são os danos que suas posturas despudoradas e infames causam nas pessoas de bem, mas que são interiormente susceptíveis de desânimo crônico.

O desânimo quanto ao exercício da virtude faz com que cidadãos, incapazes de sujar suas casas, joguem lixo nas ruas; faz com que cidadãos, incapazes de furar uma fila de banco, permitam-se a levar vantagem e passar na frente dos carros que estão enfileirados num retorno de pista única; faz com que cidadãos, mesmo tratando bem seus velhos pais e seus filhos, não estendem o mesmo tratamento a velhos e crianças desconhecidos - antes, não lhes dão o lugar num coletivo lotado, não lhes cedem seu lugar na fila, não lhes dão prioridade na passagem de um cruzamento.

O mau exemplo é contagioso. Um atleta famoso, pelo simples desejo de ganhar mais dinheiro, se torna garoto propaganda de bebida alcoólica. É lícito, mas não convém. Pois fatalmente será responsável pelo descaminho de tantos garotos que, mirando-se no seu anunciado "exemplo", no máximo se transformarão em bêbados contumazes.

Um presidente e seu ministro da saúde, pretextando serem "populares", distribuem camisinhas aos foliões no carnaval. Além de desconhecerem a "liturgia do cargo" e a necessidade de darem bom exemplo, o máximo que conseguem é gerar mentalidades dispostas à promiscuidade sexual, cuja conta será paga pela sociedade depois.

A despeito disso tudo, não desista nem desanime da virtude. Ainda que debochem de quem devolve o dinheiro achado, continue fazendo a coisa certa; ainda há quem devolva. Ainda que desdenhem de alguém ser gentil com uma mulher e abrir-lhe a porta do carro, mantenha a sua educação; ainda há que abra portas para mulheres. Ainda que desdenhem de quem é honesto e não se vende, mantenha a esperança; ainda há pessoas que não têm preço. Ainda que filhos ingratos desrespeitem e não honrem a própria mãe, seja fiel em cumprir o mandamento de Deus; ainda há quem o faça.

Constantemente lê-se sobre algum cidadão se dizendo com "vergonha de ser brasileiro". Mas não tenha vergonha de ser brasileiro; tenha, antes, vergonha dos brasileiros que não têm vergonha na cara.

Não tenha vergonha de pertencer à Igreja, tenha vergonha daqueles que, semeando divisão e motivados pelo desejo de dominação do rebanho de Deus, envergonham a Deus e a Sua Igreja.

Honestidade é virtude, mas é também obrigação. Por isso, não tenha vergonha de ser honesto, pois é seu dever. Tenha, antes, vergonha dos desonestos. Quem sabe, um dia se toquem de que o tempo deles passou, pois a própria História os varrerá para debaixo do tapete de suas insignificâncias.

Antes de tudo, porém, é bom atentar no que disse Jesus: "Continue o injusto fazendo injustiça, continue o imundo ainda sendo imundo; o justo continue na prática da justiça, e o santo continue a santificar-se. E eis que venho sem demora, e comigo está o galardão que tenho para retribuir a cada um segundo as suas obras" (Ap. 22.11-12).
Samuel Câmara - Pastor da Assembléia de Deus Belém / PA - Igreja Mãe
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