sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Eleições e o efeito Panúrgio

Panúrgio é um personagem falante e simpático, mas sem dinheiro, criado por Rabelais em seu romance Pantagruel. Panúrgio fora injuriado por Dindenaut, vendedor de carneiros. Para vingar-se, ele arranjou dinheiro e comprou do homem que lhe injuriara os carneiros mais bonitos e os jogou ao mar. Os demais, vendo isto, seguiram cegamente os primeiros e todo o rebanho pereceu nas águas. Dindenaut e seus ajudantes jogaram-se também ao mar na tentativa de salvar os carneiros, mas também se afogaram.

Com o tempo, o personagem emprestou seu nome à gramática, e Panúrgio virou sinônimo de “espertalhão, astuto”. Um sujeito panúrgico passou a ser identificado como aquele que imita outro, que procede por espírito de imitação, tal qual fizeram os carneiros de Panúrgio. Esta se tornou uma expressão adagiária para indicar a mentalidade gregária do povo: basta que alguém eleve a voz para que a maioria o siga sem raciocinar.

O efeito Panúrgio é a ação de uma maioria destrambelhada que acompanha cegamente quem mais grita, sem examinar minimamente as razões de seu discurso. Principalmente em época de eleições, isto é algo que a sociedade deve evitar.

Não são poucos os candidatos que tentam passar a impressão de que são mais virtuosos que todos os outros. Fazem-nos pensar que, uma vez eleitos, a vida será transformada num mar de felicidade. O panurgista tenta nos fazer crer que é o candidato perfeito e espera que os “carneirinhos” (eleitores) sigam os seus passos.

A palavra candidato deriva de cândido (alvo, imaculado). Historicamente, remete-se ao Senado Romano, onde cada senador devia ter uma idade avançada (significando conhecimento e experiência) e vestir uma túnica branca (representativa de pureza).

A julgar pelos efeitos da Lei da Ficha Limpa, cuja aplicação tem tentado barrar milhares de “candidatos” em todo o Brasil, esse conceito tornou-se caduco. Esta é, portanto, a primeira razão pela qual candidato perfeito não existe.

A segunda razão vem do significado da palavra perfeito (do Latim, perfectu), que é “feito até o fim, acabado, terminado”. Um “candidato perfeito”, etimologicamente falando, deveria ser alguém completo, sem nenhuma falha.

Mesmo sem candidatos perfeitos, temos que ter em mente que nenhum povo consegue ser sério, próspero e respeitado se os políticos e governantes não forem bem escolhidos nas eleições. Eleição é o mesmo que escolha. Uma escolha pressupõe preferência, predileção, mas sob a égide do discernimento. Assim, temos de escolher os melhores; ou, na pior das hipóteses, os “menos ruins”.

Cair no extremo oposto de deplorar constantemente a classe política, sem fazer absolutamente nada para mudar a situação, é uma atitude negligente e cômoda de quem vive criticando, mas nada faz. As pessoas responsáveis, porém, têm de fazer algo a partir do seu próprio voto. É esse o tecido de que é formada a democracia.

O que temos de entender adequadamente é que, a despeito da imperfeição dos candidatos, a operação da graça de Deus, mediante as nossas orações e vigilância, pode ajudar a brotar o melhor da sua humanidade. O candidato que for eleito, embora imperfeito, poderá agir decente e racionalmente para o bem comum e contribuir para resolver os intrincados problemas sociais que acometem a nossa sociedade.

Temos de reconhecer, igualmente, o potencial humano para o comportamento interesseiro e pecaminoso. É isso que torna a democracia essencial, como disse o filósofo Rienhold Niebuhr: “A capacidade do homem para a justiça torna a democracia possível; mas a inclinação do homem para a injustiça torna a democracia necessária”. É isso que torna o seu voto importante e imprescindível.

O efeito Panúrgio identifica o nível de irresponsabilidade social em que se encontra a consciência de certos eleitores que votam pelos motivos errados. Aquele cuja consciência se encontra no estômago, pois vende o seu voto por um mero repasto, uma cesta básica, por exemplo. Outro cuja consciência está no bolso, pois vende o seu direito de cidadania por uns míseros trocados. E alguém que se deixa levar pelas emoções da hora e vota porque o candidato tem charme ou fala bonito, ou porque é sectário do voto útil.

Esta é a hora e a vez da sua consciência esclarecida, cujo voto pode ajudar não somente a banir das eleições o efeito Panúrgio, mas também mostrar que a vida, principalmente nesse caso, não precisa imitar a arte. E que Deus nos ajude!


Samuel Câmara - Pastor da Assembléia de Deus Belém / PA - Igreja Mãe
Confira os artigos do Pastor Samuel Câmara, todas as semanas no jornal "O Liberal" -http://www.oliberal.com.br/

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