sábado, 19 de maio de 2012

A diferença entre ser e parecer

Na Roma republicana, os mistérios anuais da “boa deusa”, que somente mulheres podiam ver, tinham lugar na residência oficial do ditador Júlio César, sob a presidência de sua esposa Pompeia. Um jovem nobre devasso, de nome Publius Clodius compareceu à reunião disfarçado de mulher. Parecia que ele tentava um caso com Pompeia, mas é possível que tivesse ido apenas para satisfazer sua curiosidade. Publius foi reconhecido e o resultado se tornou dos mais escandalosos, porque os senadores da comissão de inquérito pensavam que, por fim, poderiam descobrir o que suas esposas faziam nesse festival.
 
César divorciou-se de Pompeia imediatamente e mandou-a de volta para sua família sem explicação nem desculpa, como era direito de todo marido romano. Mas perante a comissão senatorial ele protestou que não havia provas a dar, pois naquela noite cerimonial estivera ausente de casa, como qualquer homem deveria estar. Um senador perguntou-lhe por que, nesse caso, se divorciara de sua esposa. E César deu sua célebre resposta: “À mulher de César não basta ser honesta, é preciso também parecer honesta”.
Para César, no mundo das relações públicas, era necessário evitar a aparência do mal, pois esta, quando estabelecida, poderia causar muito maior dano que o próprio mal. A razão é simples. O mal, uma vez ocorrido, é um fato, fala por si só, por mais abjeto e danoso que seja. A aparência do mal, por ser apenas uma miragem, pode dar ênfase a várias interpretações e mexericos. Assim, portanto, não bastava apenas ser, era preciso também parecer; e uma coisa não devia andar sem a outra.
 
O problema da relação entre ser e parecer, no entanto, tem uma outra faceta, igualmente importante de ser notada. Digamos, é o outro lado da moeda. Isto acontece quando o que se aparenta ser é uma coisa totalmente diversa do que se é realmente. É o “efeito denorex”, que “parece, mas não é”. Por exemplo, um político corrupto contumaz, nas mãos de um marqueteiro, tenta parecer um santo e salvador da pátria.
 
Quanto ao primeiro caso, há inegavelmente um sem número de cidadãos que levam a vida de modo correto, evitam a todo custo a aparência do mal, tentam viver de um modo socialmente impecável. Essas pessoas, em geral, não são notícia; vivem na discrição do anonimato. Na outra ponta, lugar comum na mídia, estão aqueles que vivem uma coisa em privado, mas tentam nos fazer crer em outra em público.
 
O mundo político brasileiro está cheio de exemplos dos que dão mais valor à aparência que ao fato do ser. Uma candidata a prefeita, numa eleição, chamou um candidato de nefasto. Na eleição seguinte, por estar em posição desfavorável, se aliou ao mesmo. Bem, se nefasto fosse um elogio, não haveria o que questionar. Mas não é. Uma pessoa nefasta é alguém “trágico, sinistro, de mau agouro; é quem causa desgraça”. Assim também, partidos políticos historicamente antagônicos, nos últimos tempos, costumam se aliar para tirar vantagens eleitorais momentâneas; ou fazem acordos espúrios em troca de cargos.
 
As Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI), outrora recheadas de credibilidade, carregam também o seu quinhão de desconfiança. Embora não tenha sido uma criação tupiniquim, o instrumento da CPI teve aqui um largo aprimoramento institucional. Ajudou a derrubar um presidente acusado de corrupção, ajudou na limpeza do Congresso de deputados e senadores envolvidos em falcatruas orçamentárias. Agora, porém, parece servir a alguns parlamentares para fins unicamente de defender interesses próprios, numa “cachoeira” de chantagens, achaques, intimidações, denuncismo, em vez de continuarem a defender a causa pública.  
 
Uma instituição que se diz séria precisa também parecer séria. Por isso se utiliza do instrumento da publicidade para exaltar sua imagem e produtos, quer sejam serviços ou bens de consumo. Quando a imagem não corresponde ao produto, geralmente a própria instituição cai em descrédito.
 
É assim também com uma pessoa física. Seu maior produto é o caráter. Quando suas atitudes não correspondem à imagem ostentada, a pessoa cai em desonra. E quando insiste em parecer o que não é, cabe-lhe finalmente a pecha de hipócrita.
 
Jesus se insurgiu muitas vezes duramente contra os fariseus hipócritas, pois estes pareciam ser honestos e justos e santos, mas eram tão somente “sepulcros caiados”. Ora, ainda hoje, a sociedade deplora a atitude de líderes religiosos que pregam uma coisa e vivem outra. Espera-se que o produto corresponda ao caráter, pois é fácil saber a diferença entre ser e parecer.
 
César tinha razão num ponto. De fato, não basta ser honesto, é preciso também parecer honesto. O equilíbrio nesse quesito é que dá a um povo dignidade e força para continuar lutando pelo bem, sem desvanecer ou entregar os pontos, sem desanimar da virtude ou rir-se da honra, sem ter vergonha de ser honesto ou deixar de lutar para ser e parecer verdadeiro.


Samuel Câmara
Pastor da Assembleia de Deus em Belém

Nenhum comentário: