domingo, 7 de novembro de 2010

Crise de honestidade brasileira

Há alguns anos contava-se uma anedota a respeito de uma ligação telefônica que caíra erradamente na palácio do governo de um estado brasileiro, num tempo em que os constantes ruídos na linha causavam todo tipo de mal-entendidos:

— Eu gostaria de falar com o Sr. Ernesto, por favor.
— Ligação errada, meu senhor. Aqui não tem ninguém Honesto!

Esse era um tempo em que não havia como medir a honestidade brasileira. Mas é isso que o Ranking da Corrupção Global 2010 tenta medir, indicando que o Brasil saiu da 75º para a 69º posição. Mas isso não é motivo de alegria, pois não houve melhoras, haja vista que outros dez países deixaram de ser avaliados e alguns outros mudaram de posição. Em 2002, o Brasil estava em 70º lugar.

Há algum tempo, a revista Seleções vem trazendo algumas reportagens especiais sobre honestidade, com o título “O quanto somos honestos?”. Essas reportagens são o resultado de uma experiência realizada em vários países.

Em cada país, escolhem dez cidades; em cada uma delas são deixadas, em diferentes lugares como “perdidas”, 10 carteiras com o equivalente a R$ 50 reais em cada, e um cartão com o nome do suposto dono e dois números de telefones para contato, além de fotografias de família, alguns tíquetes e recibos. Em seguida, ficam monitorando para ver quantas carteiras serão devolvidas.
Pois essas mesmas experiências foram repetidas no Brasil, nos Estados Unidos e em outros 12 países da Europa. Com exceção de Noruega e Dinamarca (países onde 100% das carteiras foram devolvidas intactas), o resultado foi surpreendentemente negativo. Em média, cerca de 50% das carteiras “perdidas” não foram devolvidas, inclusive no Brasil.

O resultado das monitorações indicou que as pessoas que “acharam” as carteiras e não as devolveram pertenciam a diferentes classes sociais e possuíam variados níveis de educação. Esse dado é igualmente verdade em relação às pessoas que usaram de honestidade e devolveram as carteiras. Em suma, concluiu-se que honestidade ou desonestidade independe do nível de escolaridade ou da situação social; é algo inerente ao caráter.

Ao lembrar dessas experiências, não deixei de ficar preocupado com a honestidade brasileira, principalmente a dos políticos. Com o fim das eleições, a partir de 2011 teremos uma nova composição do Parlamento. Ora, tem-se como certo que o Parlamento é um extrato da sociedade, é sua síntese, expressando a média da índole nacional.

Assim, ao cruzar esses dados, senti um arrepio na alma, só de pensar que no Congresso Nacional poderíamos ter uma realidade semelhante, um percentual parecido de parlamentares honestos e desonestos. Não, não quero crer que tenha de ser assim, afinal a manipulação desses dados não é uma ciência exata. Mas admitindo que aquelas experiências trazem dados menos voláteis que os das pesquisas de opinião, meu temor pode não ser de todo infundado.

De qualquer modo, a sempre presente crise de honestidade política no Brasil, com não poucos parlamentares envolvidos em todo tipo de corrupção, faz parte de uma outra grande crise, a de ética, que ainda não foi convenientemente apreciada.

O propósito da ética é decidir entre o certo e o errado de se agir numa situação. Sua preocupação principal é a conduta apropriada, considerando as atitudes e os motivos dos quais a conduta resulta. Isso tem a ver com juízos de apreciação referentes à conduta humana suscetível de qualificação do ponto de vista do bem e do mal. Isso é verdade relativamente a comportamentos requeridos em determinada sociedade.

O Brasil, a despeito de ser considerado um país “cristão”, está longe de sê-lo. A ética cristã ainda não se instalou na cultura nacional. O “jeitinho brasileiro” e a “lei do Gérson” são dois ícones louvados nas nossas relações sociais e são antíteses da ética. O problema da corrupção em nosso país é apenas um numa longa lista de pecados tolerados.

A questão da honestidade passa pela discussão de uma ética apropriada à nossa visão de mundo, devendo tanto ser um fenômeno da vontade (porque deve se manifestar na vida exterior) como da virtude (pois envolve julgamento e compromisso). Assim, a honestidade só pode andar lado a lado com a ética. Não importa se é uma carteira ou uma mala de dinheiro, não é a ocasião que faz o ladrão, ela apenas o manifesta.

Resta aos brasileiros que decidiram viver uma vida honesta que se esforcem para viver de mãos dadas com a ética cristã, para podermos dar um basta na desonestidade.


Samuel Câmara - Pastor da Assembléia de Deus Belém / PA - Igreja Mãe
Confira os artigos do Pastor Samuel Câmara, todas as semanas no jornal "O Liberal" -http://www.oliberal.com.br/

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