Cultura
e religião são como irmãs siamesas, estão sempre intimamente ligadas, pois o
cerne de cada cultura é alguma forma de religião. Como a religião é um conjunto
de crenças e valores, a cultura funciona de algum modo como vetor de expressão
e visibilidade da religião na sociedade. Uma vez que o ser humano foi criado
por Deus, as culturas ainda guardam, em parte, beleza e bondade, pois a graça
de Deus ainda opera no mundo. Porém, todas as culturas – crenças, usos e
costumes – foram maculadas pela Queda e estão influenciadas pelo pecado. Além disso,
grande parte das culturas sofrem da influência das animalidades do caráter
humano e da malignidade de variadas inspirações demoníacas.
No
cerne de toda cultura há também um forte elemento de egocentrismo, da
autoadoração do homem, a despeito de sua busca incessante pelo sagrado, pois
nenhuma cultura é perfeita em verdade, bondade e beleza. Assim, pois, a influência
da cultura na religião gera alguns riscos espirituais, principalmente o de se
confundir tradição com revelação de Deus. Na verdade, muitas das práticas
religiosas oriundas de tradições conhecidas não condizem de modo algum com o
evangelho de Cristo.
Jesus
várias vezes enfrentou a ira dos religiosos de seu tempo quanto a essa questão.
Numa ocasião, os líderes pressionavam os discípulos para que cumprissem a
tradição dos anciãos a qualquer custo. Jesus, porém, os responsabilizou de
negligenciarem e transgredirem o mandamento de Deus, quando então invalidavam as
Escrituras por causa da sua tradição (Mt 15.3).
Esse
exemplo é uma clara ilustração de que nem sempre a tradição, por mais rica que
seja, culturalmente falando, ou de quanta beleza estética esteja adornada, ou
mesmo de quão espiritual possa parecer, sim, nem sempre ela estará de acordo
com o evangelho de Jesus Cristo.
A
igreja, por ser uma comunidade histórica, tem uma rica herança cultural e
teológica, à qual não deve jamais negligenciar, sob pena de correr o risco de
tornar-se espiritualmente empobrecida. No entanto, exatamente por ser igreja,
ou corpo de Cristo, não deve receber essa mesma tradição de um modo acrítico,
mas, sobretudo, submetê-la a um rigoroso teste à luz das mesmas Sagradas
Escrituras que prega, sob cuja autoridade deve viver.
Em
outras palavras, se a tradição, mesmo travestida de ricos adornos culturais,
não estiver de acordo com o que diz a Palavra de Deus, deve ser questionada.
Por exemplo, se a tradição coloca outra pessoa no lugar devido unicamente a
Cristo, isso evidencia que ela está a ferir o princípio fundamental do
evangelho, que é o Senhorio absoluto de Jesus Cristo sobre todas as coisas. Jesus
disse: “Toda a autoridade me foi dada no céu e na terra” (Mt 20.18). Isto torna
explícito que o senhorio de Cristo e a sua autoridade sobre a sua igreja, em
geral, e sobre a nossa vida, em particular, deve ser total, inequívoca e
intransferível.
Quando
um indivíduo se converte a Cristo, começa a fazer parte de seu corpo, que é a
igreja. O significado essencial da conversão é uma completa mudança de
lealdade, pois deixamos de lado os ídolos aos quais reverenciávamos e passamos
a servir única e exclusivamente ao Senhor Jesus. Desse modo, a igreja não deve
submissão a nenhum outro ser, como também não deve adorar a nenhum ídolo, sob
nenhum pretexto, mesmo que este venha maquiado de verniz religioso ou
teológico. E por quê? Porque só Jesus é digno “de
receber o poder, e riqueza, e sabedoria, e força, e honra, e glória, e louvor”,
conforme é plenamente reconhecido no Céu (Ap 5.12).
É bom sempre lembrar que não
foi a tradição que nos deu a salvação, foi Jesus. A vida eterna foi dada por
Jesus, não por anjos, ou santos, ou ídolos. Quando a tradição diz o contrário,
que algum outro ser deve ser colocado no lugar de Deus; quando coloca outro
mediador entre nós e Deus, então, essa mesma tradição elimina o conceito de
Deus e subtrai a honra devida a Jesus, pois escrito está: “Porquanto há um só Deus e um só Mediador entre Deus e os homens, Cristo Jesus, homem” (1 Tm
2.5).
Devemos,
pois, estar atentos ao fato de que muitas vezes os valores culturais buscam substituir
a fé pura e simples na Palavra de Deus. Essa sutileza que substitui valores
espirituais por conceitos culturais é importante na proporção dos danos que
causa. Se interfere no destino eterno de uma pessoa, distanciando-a de Deus
aqui e para toda a eternidade, então deve ser levada em conta, reavaliada e
descartada. Torna-se, portanto, necessário um novo processo de conversão, ou
seja, uma mudança radical de rumo e de perspectiva.
A
religião (religare) só é boa se nos
religa a Deus. A cultura só é boa se não nos afasta de Deus. Acima destas está o
evangelho, que “é o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê”.
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