Sabe-se que no início do Século XVI,
a Igreja precisava de muito dinheiro para a conclusão da Basílica de São Pedro.
O então Papa Leão X assinou um documento que prescrevia a venda de
Indulgências, que seriam a suprema “garantia” da absolvição dos pecados passados,
presentes e futuros e dariam “segurança” eterna àqueles que queriam alcançar o
céu. Até mesmo aqueles que já haviam morrido podiam receber a absolvição de
seus pecados, através das indulgências compradas pelos seus parentes ainda
vivos.
A ideia era simples: ao mesmo tempo
em que as Indulgências garantiam o perdão dos pecados e um lote no céu a quem
as adquirisse, ajudariam a encher os cofres da Igreja. Os clérigos bradavam dos
altares das igrejas: “Ao tilintarem as moedas no fundo da sacola, automaticamente
os vossos pecados e ofensas serão perdoados, e até mesmo as almas dos vossos
parentes que estão no purgatório serão levadas ao paraíso!”.
Tudo parecia ir muito bem, até que
um obscuro monge chamado Martinho Lutero se insurgiu contra essa prática e
conclamou a Igreja a voltar à obediência da Palavra de Deus e retornar às
doutrinas e práticas cristãs primitivas, afixando as 95 Teses na porta da
Catedral de Wittemberg, na Alemanha, em 31 de outubro de 1517. Esse evento
desencadeou a Reforma Protestante. Aqueles que se juntaram a Lutero e se
opuseram aos dogmas da Igreja foram historicamente reconhecidos como
“Protestantes”.
Não pretendo
aqui polemizar com os cristãos católicos, a quem respeito e amo no amor de
Jesus. Mas gostaria de considerar, com a ênfase que o caso requer, que a
Reforma só aconteceu porque a Igreja estava moralmente em decadência, pois
distanciara-se muito do evangelho. A Igreja preocupava-se mais com as questões
políticas e econômicas do que com os assuntos espirituais; ao buscar aumentar
ainda mais suas riquezas, vendia indulgências, cargos eclesiásticos e
relíquias, tudo como forma dos fiéis adquirirem bênçãos. E isso estava errado,
e os próprios católicos reconhecem.
Passados quase
quinhentos anos da Reforma Protestante, penso que não seria precipitado afirmar
que, em muitos aspectos, precisamos reformar a Reforma, como filhos e herdeiros
da mesma. Basta olhar a situação de não poucas igrejas ditas evangélicas. Em
muitos aspectos, não estamos muito longe da decadência moral que pode preceder
uma verdadeira reforma. É bom lembrar que algo precisa de reforma quando se deteriorou, ou tomou curso
errado, ou se deformou. Assim, reformar é formar de novo, reconstruir,
corrigir, retificar, restaurar. Em suma, reformar é fazer um “movimento para
trás”, é levar algo à sua situação original. Então, meditemos sobre isto.
Os evangélicos não vendem
Indulgências, mas muitos continuam proliferando ensinamentos que enganam os
crentes com a promessa da salvação em troca de dinheiro e bens materiais. Não
temos um papa, temos vários papas; cada denominação tem o seu. Muitos pastores
vivem como se fossem “papazinhos” nos seus tronos de “infalibilidade”, ou
melhor, há sempre um “reizinho” para cada feudo eclesial.
Também não temos santos e imagens, mas
muitos tratam a Bíblia (ou partes dela) como “amuleto”. Não temos catecismo,
mas temos uma “cartilha” de usos e costumes. Não há missa, mas temos cultos
liturgicamente engessados. Não há paramentos sacerdotais, mas temos paletó e
gravata. Não há reza, mas temos orações repetitivas. Não pagamos promessa, mas
damos culto de ações de graça como se fosse. Não há penitência, mas temos
algumas “simpatias” e “campanhas”, que muitos usam como forma de barganhar com
Deus. Muitos evangélicos, como os católicos, pensam que a salvação só é
conseguida na “sua” igreja.
Desse modo, não são essas mesmas
coisas que indicam a nossa real necessidade de reforma? Pensemos, portanto, em
quatro princípios fundamentais adotados pelos líderes da Reforma. Primeiro: a
religião deve ser baseada nas Escrituras Sagradas, pois nada substitui a
autoridade da Bíblia como nossa regra de fé e prática. Nem costume, nem
tradição, nem cultura. Sola Scriptura! Segundo: a religião deve ser racional e
inteligente, significando que, embora a razão esteja subordinada à revelação, a
natureza racional do homem não pode ser violada por dogmas e doutrinas
irracionais.
Terceiro: a religião é pessoal, ou
seja, cada crente deve confessar o seu pecado diretamente a Deus, sem a
necessidade de um sacerdote humano para perdoar-lhe. A adoração também é
pessoal, de modo que os crentes podem ter comunhão com Deus, individualmente.
Quarto: a religião deve ser espiritual, não formalista. Isso pressupõe a volta
aos princípios evangélicos de simplicidade e pureza, indicando que o crente era
santificado pela presença do Espírito Santo em sua vida interior, não pela
observância de formalidades e cerimônias externas.
Todos os cristãos devem ter isto
sempre em mente: ao estarmos constantemente nos reformando, manteremos sempre
aberto o canal para que a “multiforme graça de Deus” continue a operar na
igreja e em nossas vidas “sem impedimento algum” (1 Pe 4.10; At 28.31). Soli
Deo Gloria!
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