sábado, 27 de outubro de 2012

É preciso reformar a Reforma


Sabe-se que no início do Século XVI, a Igreja precisava de muito dinheiro para a conclusão da Basílica de São Pedro. O então Papa Leão X assinou um documento que prescrevia a venda de Indulgências, que seriam a suprema “garantia” da absolvição dos pecados passados, presentes e futuros e dariam “segurança” eterna àqueles que queriam alcançar o céu. Até mesmo aqueles que já haviam morrido podiam receber a absolvição de seus pecados, através das indulgências compradas pelos seus parentes ainda vivos.
A ideia era simples: ao mesmo tempo em que as Indulgências garantiam o perdão dos pecados e um lote no céu a quem as adquirisse, ajudariam a encher os cofres da Igreja. Os clérigos bradavam dos altares das igrejas: “Ao tilintarem as moedas no fundo da sacola, automaticamente os vossos pecados e ofensas serão perdoados, e até mesmo as almas dos vossos parentes que estão no purgatório serão levadas ao paraíso!”.
Tudo parecia ir muito bem, até que um obscuro monge chamado Martinho Lutero se insurgiu contra essa prática e conclamou a Igreja a voltar à obediência da Palavra de Deus e retornar às doutrinas e práticas cristãs primitivas, afixando as 95 Teses na porta da Catedral de Wittemberg, na Alemanha, em 31 de outubro de 1517. Esse evento desencadeou a Reforma Protestante. Aqueles que se juntaram a Lutero e se opuseram aos dogmas da Igreja foram historicamente reconhecidos como “Protestantes”.
Não pretendo aqui polemizar com os cristãos católicos, a quem respeito e amo no amor de Jesus. Mas gostaria de considerar, com a ênfase que o caso requer, que a Reforma só aconteceu porque a Igreja estava moralmente em decadência, pois distanciara-se muito do evangelho. A Igreja preocupava-se mais com as questões políticas e econômicas do que com os assuntos espirituais; ao buscar aumentar ainda mais suas riquezas, vendia indulgências, cargos eclesiásticos e relíquias, tudo como forma dos fiéis adquirirem bênçãos. E isso estava errado, e os próprios católicos reconhecem.
Passados quase quinhentos anos da Reforma Protestante, penso que não seria precipitado afirmar que, em muitos aspectos, precisamos reformar a Reforma, como filhos e herdeiros da mesma. Basta olhar a situação de não poucas igrejas ditas evangélicas. Em muitos aspectos, não estamos muito longe da decadência moral que pode preceder uma verdadeira reforma. É bom lembrar que algo precisa de reforma quando se deteriorou, ou tomou curso errado, ou se deformou. Assim, reformar é formar de novo, reconstruir, corrigir, retificar, restaurar. Em suma, reformar é fazer um “movimento para trás”, é levar algo à sua situação original. Então, meditemos sobre isto.
Os evangélicos não vendem Indulgências, mas muitos continuam proliferando ensinamentos que enganam os crentes com a promessa da salvação em troca de dinheiro e bens materiais. Não temos um papa, temos vários papas; cada denominação tem o seu. Muitos pastores vivem como se fossem “papazinhos” nos seus tronos de “infalibilidade”, ou melhor, há sempre um “reizinho” para cada feudo eclesial.
Também não temos santos e imagens, mas muitos tratam a Bíblia (ou partes dela) como “amuleto”. Não temos catecismo, mas temos uma “cartilha” de usos e costumes. Não há missa, mas temos cultos liturgicamente engessados. Não há paramentos sacerdotais, mas temos paletó e gravata. Não há reza, mas temos orações repetitivas. Não pagamos promessa, mas damos culto de ações de graça como se fosse. Não há penitência, mas temos algumas “simpatias” e “campanhas”, que muitos usam como forma de barganhar com Deus. Muitos evangélicos, como os católicos, pensam que a salvação só é conseguida na “sua” igreja.
Desse modo, não são essas mesmas coisas que indicam a nossa real necessidade de reforma? Pensemos, portanto, em quatro princípios fundamentais adotados pelos líderes da Reforma. Primeiro: a religião deve ser baseada nas Escrituras Sagradas, pois nada substitui a autoridade da Bíblia como nossa regra de fé e prática. Nem costume, nem tradição, nem cultura. Sola Scriptura! Segundo: a religião deve ser racional e inteligente, significando que, embora a razão esteja subordinada à revelação, a natureza racional do homem não pode ser violada por dogmas e doutrinas irracionais.
Terceiro: a religião é pessoal, ou seja, cada crente deve confessar o seu pecado diretamente a Deus, sem a necessidade de um sacerdote humano para perdoar-lhe. A adoração também é pessoal, de modo que os crentes podem ter comunhão com Deus, individualmente. Quarto: a religião deve ser espiritual, não formalista. Isso pressupõe a volta aos princípios evangélicos de simplicidade e pureza, indicando que o crente era santificado pela presença do Espírito Santo em sua vida interior, não pela observância de formalidades e cerimônias externas.
Todos os cristãos devem ter isto sempre em mente: ao estarmos constantemente nos reformando, manteremos sempre aberto o canal para que a “multiforme graça de Deus” continue a operar na igreja e em nossas vidas “sem impedimento algum” (1 Pe 4.10; At 28.31). Soli Deo Gloria!

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